SEM COLETIVO NEM IDEIAS, MAS COM A ESTRELINHA DE JUDE: GOLAçO DE BELLINGHAM RESGATA INGLATERRA CONTRA A ESLOVáQUIA

Os vice-campeões da Europa chegaram aos 95' a perder por 1-0 e sem qualquer remate enquadrado com a baliza adversária, mas uma obra de arte de Bellingham, num remate de bicicleta, forçou o prolongamento. No tempo extra, Kane completou a reviravolta, impedindo uma enorme surpresa

Durante 95 minutos, Inglaterra trocou mais de 600 passes contra a Eslováquia. Fez zero remates à baliza adversária. Talvez estivesse a tentar bater algum recorde, procurar alguma proeza inédita, explorar novos terrenos na arte de circular sem perigo nem intenção. Talvez estivesse a tentar alguma ciência oculta, desconhecida para os restantes.

Talvez Southgate estivesse à procura de algo que nos escapa, algum número vindo de uma realidade alternativa. Porque, no futebol que conhecemos, tudo foi fraco, pobre, inexistente. Nulo. Sem remates, sem equipa, sem coletivo. Sem coletivo depois de oito anos com o mesmo selecionador, sem remates à baliza depois de mais de 600 passes, sem alterar nada depois de quatro jogos a apostar numa fórmula errada.

Mas o mais curioso do talento é que é profundamente altruísta: resgata mesmo quem o não sabe utilizar. Salva mesmo quem o limita e condiciona, quem o prende, quem faz com que o talento nem pareça talento.

Depois de 95 minutos de horror, a juntar a um Europeu de horrores, o talento aproveitou a mínima brecha para se exprimir. Lançamento lateral para a Inglaterra, bola colocada na área. Nada vindo do coletivo favoreceu o surgimento do talento, nada vindo do banco levou àquilo. Mas aquilo salvou o coletivo, salvou o banco, salvou uma seleção.

Jude Bellingham estava a jogar mal. Jude Bellingham estava a fazer um Europeu mau. Do nada, viu uma bola a voar na área, perdida, solta, e transformou-a numa obra de arte. Voou de bicicleta, rematou nas alturas, transformou uma tentativa desesperada de ataque num golo.

Talvez fosse este o segredo de Southgate: esperar 95 minutos, fazer o adversário acreditar que não havia plano, e depois apostar tudo no altamente provável plano de colocar um lançamento lateral na área, esperar que a bola espirrasse, acreditar que Bellingham faria aquela bicicleta, ter fé que dali sairia o golo. Um remate à baliza, um golo. O talento ao resgate da nula Inglaterra.

Até ali, Inglaterra pouco fizera. Chegou para ir a prolongamento, onde Harry Kane, logo ao primeiro minuto, colocou Inglaterra nos quartos de final. Esta paupérrima equipa ganhou mais uns dias de margem.

Antes do resgate feito pelo talento, a surpresa esteve a segundos de distância. E depressa se fez anunciar. Aos sete minutos, a Eslováquia já rematara três vezes e Inglaterra já vira dois amarelos.

Traduzindo a superioridade inicial dos homens de Calzona, Strelec serviu Schranz e o homem do Slavia Praga, assistido pelo atacante do Slovan Bratislava, fez o 1-0.

A desvantagem mudou nada na galeria de horrores que era o futebol inglês. Inglaterra não teve qualquer oportunidade de golo no primeiro tempo, fase em que só o jovem Mainoo era uma luz de discernimento. Dubravka não teve de fazer qualquer defesa. A melhor forma de prevenir o 1-1 parecia, naquele momento, deixar que os de branco tivessem a bola, asfixiando a sua própria circulação, metendo-a em becos sem saída, em camisas de forças das quais não poderia sair.

Não obstante o trágico nível exibicional, Southgate não fez substituições até aos 66', altura em que tirou Trippier e colocou Palmer. Saka passou para lateral-esquerdo e Palmer abriu na direita do ataque.

O 1-1 chegou quase na primeira jogada do segundo tempo, na primeira verdadeira jogada de Inglaterra no encontro. Talvez a primeira verdadeira jogada de Inglaterra no Europeu, um raio de luz, um milagre. Kane baixou no terreno como tão bem faz, Trippier subiu, Foden centrou a sua posição, golo. Mas o canhoto do City estava fora de jogo e manteve-se a vantagem eslovaca.

Durante muito tempo, a melhor chance da segunda parte era dos homens de Calzona. Aos 55', a galeria de horrores de Inglaterra juntou-se numa jogada, ansiosa por criar o grande show do ridículo na Alemanha: Bellingham, no meio-campo inglês, marcou um livre para Stones, que estava desatento. Estaria a pensar nas eleições em França ou em como sente a falta de Maguire, talvez até na montanha-russa de num dia estar a ser treinado por Southgate e no outro por Guardiola.

O que é facto é que o central deixou a bola passar para Strelec, que desperdiçou o 2-0 com Pickford fora da baliza. O remate, a uns 40 metros, saiu ao lado.

A Eslováquia foi agradecendo a suave perseguição inglesa ao 1-1. Aos 76', após longa troca de bola dos centro-europeus, sempre liderados por Lobotka, o pequeno-grande médio que lidera o jogar eslovaco, chegaram a ouvir-se “olés” vindos das bancadas. Só nos derradeiros minutos houve um verdadeiro sufoco.

Aos 78', Kane cabeceou perto depois de livre de Foden. Aos 81', Rice atirou ao poste e, depois, Kane não acertou na baliza. No desespero, Southgate lançou Eze e Toney. Bellingham, aos 95', fez o 1-1.

Um oásis no deserto. O primeiro remate à baliza de Inglaterra foi o melhor remate do Europeu.

A forma como os eslovacos foram para o prolongamento, cabisbaixos e lamentando-se, evidenciou que aquele golo de Bellingham sabia a derrota. Foram para o tempo extra com esse sabor e, poucos segundos depois, Kane fez, de cabeça, o 2-1.

Depois de dois lances isolados de seguida, da bicicleta de Jude e do remate de Harry, Southgate decidiu que já chegava de jogar. Estava bom, não se podia arriscar mais, não se podia estragar a genialidade de esperar 95 minutos até que um pontapé de bicicleta surgisse na sequência de um lançamento longo para a área.

Inglaterra deixou de jogar. Não que o tivesse feito durante muito tempo, na verdade. Desistiu de atacar. E convidou um adversário derrotado a acreditar. Pekarik roçou o 2-2, os eslovacos caíram de pé, atacando.

Os vice-campeões da Europa seguem em frente. O talento que Southgate prejudica salvou Southgate. Segue-se a Suíça, uma equipa que é tudo o que Inglaterra não é nem parece sonhar em ser.

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